Ainda somos como nossos pais?
Por que algumas músicas transpassam gerações e não deixam de ser atuais?
Uma das músicas mais famosas da Música Popular Brasileira, “Como Nossos Pais”, de Belchior é um sucesso que transpassa gerações desde sua publicação. A obra composta pelo aclamado Belchior reúne particularidades e fortes referências à sua época, cuja Ditadura Militar vigorava no país.
A canção foi composta e gravada por Belchior e lançada no álbum Alucinação em 1976, e foi regravada no mesmo ano por Elis Regina no álbum Falso Brilhante, tornando-a mais conhecida. Esse clássico de Belchior que marcou a história, ficou entre as 100 Maiores Músicas Brasileiras da época pela Rolling Stone Brasil. Escrita durante um período conturbado onde não se podia fazer críticas ao governo devido a repressão militar e, com essa música, Belchior faz uma crítica à situação dos jovens oprimidos e desiludidos pela ditadura militar, mas também pelos conflitos geracionais e a angústia da juventude.
Muitos estudiosos de Linguística e História utilizam essa obra para trazer à tona questões que remetem não somente à Ditadura Militar, mas também às demais questões políticas e sociais, assim como as relações parentais que mudam constantemente através dos anos.
Primeiro, vamos analisar os versos da canção:
Não quero lhe falar meu grande amor
Das coisas que aprendi nos discos
Quero lhe contar como eu vivi
E tudo o que aconteceu comigo
Viver é melhor que sonhar
Eu sei que o amor é uma coisa boa
Mas também sei que qualquer canto
É menor do que a vida
De qualquer pessoa
Por isso cuidado meu bem
Há perigo na esquina
Eles venceram
E o sinal está fechado prá nós
Que somos jovens
Para abraçar seu irmão
E beijar sua menina na rua
É que se fez o seu braço
O seu lábio e a sua voz
Você me pergunta pela minha paixão
Digo que estou encantada
Como uma nova invenção
Eu vou ficar nesta cidade
Não vou voltar pro sertão
Pois vejo vir vindo no vento
Cheiro de nova estação
Eu sei de tudo na ferida viva
Do meu coração
Já faz tempo eu vi você na rua
Cabelo ao vento
Gente jovem reunida
Na parede da memória
Essa lembrança
É o quadro que dói mais
Minha dor é perceber
Que apesar de termos
Feito tudo o que fizemos
Ainda somos os mesmos
E vivemos
Ainda somos os mesmos
E vivemos
Como os nossos pais
Nossos ídolos ainda são os mesmos
E as aparências
Não enganam não
Você diz que depois deles
Não apareceu mais ninguém
Você pode até dizer
Que eu 'tô por fora
Ou então que eu 'tô inventando
Mas é você que ama o passado
E que não vê
É você que ama o passado
E que não vê
Que o novo sempre vem
Hoje eu sei que quem me deu a ideia
De uma nova consciência e juventude
'Tá em casa
Guardado por deus
Contando vil metal
Minha dor é perceber
Que apesar de termos feito tudo, tudo
Tudo o que fizemos
Nós ainda somos os mesmos
E vivemos
Ainda somos os mesmos
E vivemos
Ainda somos os mesmos
E vivemos como os nossos pais
Belchior, 1976.
Cada estrofe da composição é rica e engloba diversas questões, dentre elas, a complexidade da juventude e de suas relações sociais. A letra da canção reflete as transições da vida e, sobretudo, do valor que tem a vida. Analisando algumas partições da composição, podemos observar que Belchior, nesta obra, nas entrelinhas de “Por isso cuidado meu bem/Há perigo na esquina” refere-se ao regime militar instaurado na época, que foi responsável pelos grandes retrocessos ideológicos trazidos a população brasileira da época e que, indiretamente, ainda se faz presente em boa parcela da população. Na análise de Toledo (2015), a pesquisadora expõe:
A canção fala sobre o tempo e a juventude, a maturidade e a impotência, a ilusão e a decepção, sobre ganhar e perder. Embora as pessoas sejam tão previsíveis e as histórias, inclusive políticas, costumam acabar praticamente sempre em pizza, como se costuma dizer no Brasil,o autor nos alerta do quão é importante que façamos a nossa parte. É importante não desistir! É importante acreditar até para poder descrer! (TOLEDO, 2015, p. 6)
Ainda nessa perspectiva, os versos “Minha dor é perceber/ Que apesar de termos feito tudo, tudo/ Tudo o que fizemos/Nós ainda somos os mesmos”, é possível perceber a ideia de esforços em vão, tendo em vista as muitas lutas por liberdade de expressão em suas mais diversas modalidades sendo reprimidas pelo governo então vigente. Aliado a isso, é englobada também a ideia de mudança de ideologias dos jovens que iam contra as ideias empregadas pela sociedade da época, e por muitas vezes, contra os ideais que constituíam as família da época e suas relações, onde muitas dessas lutas e esforços eram invalidados pelas autoridades, fossem elas políticas ou familiares.
A luta pela liberdade de expressão antes mesmo do Golpe Militar, já era uma questão conhecida e que é motivo de revoluções sociais até os dias atuais. É notável que músicas como esta de Belchior é, ainda hoje, atual e muito diz sobre não somente a política, mas também sobre as relações sociais desde o núcleo familiar até as esferas sociais maiores.
A obra transmite também a ideia de que os jovens ainda são como os pais, pois apesar das mudanças de ideologias, avanços nas perspectivas de vida e as ideologias políticas, sociais, pessoais e filosóficas, os jovens carregam e transferem conhecimentos adquiridos através dos pais, e esses saberes serão passados adiante, desde uma música, uma tradição familiar, até valores e costumes. Por essa razão, a obra Como Nossos Pais, ainda é atual e considerada um fenômeno, que abrange os mais diversos aspectos que a sociedade vive.
Referências
BELCHIOR, Antônio. Como Nossos Pais, 1976. Letras. Disponível em: <https://www.letras.mus.br/belchior/44451/>. Acesso em 12 de Agosto de 2020.
TOLEDO, Adriana. O poder das palavras. 2015. Disponível em: <https://engenhariacivilfsp.files.wordpress.com/2015/03/o-poder-das-palavras.pdf>. Acesso em 11 de Agosto de 2020.